Por Fred Linardi
A oferta de oficinas de escrita tem crescido cada vez mais e, na mesma proporção, o debate se mantém: é possível ensinar alguém a escrever?
Bom, digamos que a pergunta correta a se fazer não seja exatamente essa, pois nela está incutida uma ideia unilateral, como se houvesse apenas a via do professor com sua devida atividade de ensinar o aluno – neste caso, um sujeito passivo. E assim somos levados a reflexões dispersas, imaginando, por exemplo, um aluno cujas aptidões e interesses básicos fogem para muito longe da prática da escrita. Tendo em vista alguém que não goste ou não tenha o mínimo de potencial para isso, aí a resposta é bem clara: não, é claro que não é possível sair de um curso de escrita com um bom texto autoral nas mãos.
Acontece que a escrita, comparada às outras artes, ainda vive em torno de uma aura sagrada, equivocadamente sustentada por um bom número de acadêmicos e escritores. Na academia, é fácil identificar quando observamos que, entre todas as áreas de criação artística, a literatura é a única que, até pouco tempo atrás, não incentivava seus alunos a escreverem nada que não fossem artigos, dissertações ou teses sobre livros e autores. Por exemplo, em cursos de cinema, os alunos precisam produzir um roteiro e gravar um curta-metragem; em artes plásticas, é necessário mostrar aptidão em pintura, escultura ou outros gêneros da área; em música, é preciso compor; em teatro, é preciso produzir uma montagem e, claro, jogar-se na atuação e direção de uma peça. Se migrarmos de departamento acadêmico até o da comunicação, vemos alunos de jornalismo indo a campo e produzindo reportagens, ou então os de publicidade usando todas as referências criativas para a criação de um anúncio.
Mas na faculdade de letras, que se atreva o primeiro pretensioso a dizer que está escrevendo contos, poesias, romance ou algo parecido. Ao menos receberão como resposta um irônico sorriso torto, ensaiado por anos de pesquisa e fartas linhas do currículo Lattes.
O sintoma do sagrado não acomete apenas mestres e doutores. Quantas vezes ouvimos do próprio escritor relatos do tipo: “eu começo a escrever o santo baixa”, ou “eu começo com uma ideia e depois os personagens ganham vida e levam adiante a história”, “eu escrevo numa tacada só, e sai tudo pronto.”? Ideias que só nos fazem acreditar mesmo que, oh!, este é mesmo um trabalho realizado graças a uma conexão divina entre os deuses e musas que escolhem uma mente privilegiada aqui na Terra: o escritor! São raros aqueles que dizem que este é um trabalho como outro qualquer – ou muitas vezes, pior que outras atividades, por este ser um ofício solitário, monótono e muito trabalhoso. Envolve pesquisas sobre o assunto e sobre o próprio fazer, o que pode significar anos de empenho em áreas diferentes, tão diversas quanto o mundo de histórias possíveis de se contar. E por falar em tempo, são muitos os dias de um árduo trabalho que evolui para direção alguma.
Até quando se escreve um texto de cunho autobiográfico o esforço é tremendo. Afinal, a pesquisa é sobre nós mesmos, envolvendo um delicado resgate deste material tão denso, doloroso e incerto guardado dentro de nós: a nossa memória.
É claro que uma das grandes virtudes de um texto bem escrito é aquela que passa a ideia de que não deu trabalho algum para ser criado, como bem aponta o escritor português e professor de Escrita Criativa Rui Zink, da Universidade Nova de Lisboa, em sua peculiar fala no TedEx, disponível na íntegra na internet.
A boa notícia é que essa realidade sobre a criação literária tem mudado. No Brasil, mais uma vez, estamos nos inspirando em iniciativas norte-americanas e europeias, em que se abrem desde os cursos livres até os de graduação e pós-graduação na chamada Creative Writing (a tal Escrita Criativa). São munidos de conteúdos que envolvem uma gama de leituras críticas de livros de literatura, de teoria da criação e, claro, da teoria literária. Invés de se produzir mais teoria, no entanto, se produz um projeto literário – seja ele um romance, contos, poesia ou um livro de não ficção (biografia, livro-reportagem, ensaio pessoal, memórias etc.).
Mas não pense que estou fugindo da pergunta inicial. Na verdade, estou caminhando para a elaboração de uma pergunta mais adequada. Algo do tipo: “como uma oficina de escrita ajuda aqueles que desejam se capacitar nesta arte?”.
E aqui “se capacitar” digo em tons profissionais mesmo. Trata-se de ler e entender o texto a partir de um conhecimento técnico da arte. Trata-se de escrever a partir de suas próprias escolhas, mas após o contato com ferramentas da escrita observadas e praticadas em sala de aula. Então, digo em tons profissionais por entender que o profissionalismo começa na produção, na organização e na disciplina que envolve o ato criativo. E também me atento a esse fato, pois vejo que, assim como em todas as artes, querer seguir a escrita apenas como um hobby é muito tentador. Tentador, pois assim é mais fácil e é o que se mostra possível diante de todas as dificuldades ou impossibilidades de se viver de arte.
Mas o fato é que as oficinas de escritas prezam (ou deveriam) por capacitar seus alunos a produzirem além do simples desejo de fazê-lo, e assim fazê-lo com consciência do que se faz. Acredito que essa discussão seja o ponto relevante e, por ainda estar no campo das artes, é passível de uma gama de respostas. Por isso, agora peço licença para usar minha ainda breve experiência como peça desse grande mosaico que começa a ser construído em terras brasileiras.
Como disse no início, são dezenas os cursos de escrita oferecidos no país. Muitos deles vindos da iniciativa acadêmica, ou de escolas e centros culturais, assim como oficinas particulares promovidas pelos próprios, muitos deles premiados e com uma vasta produção.
Passei por oficinas como a da Monica Martinez, a do Roberto Taddei (que hoje coordena a pós-graduação em Escrita Criativa do Instituto Vera Cruz, em São Paulo), do Ronaldo Bressane, e também do Ricardo Lísias. Também passei pela pós-graduação em Jornalismo Literário, onde aulas de escrita criativa se intercalavam com a teoria, com exercícios propostos por Edvaldo Pereira Lima, Celso Falaschi e Renato Modernell.
Neste ano, cursei a disciplina de criação literária de Assis Brasil e faço parte do grupo de criação literária do Prof. Paulo Ricardo Kralik, na PUCRS. E me sentando ao lado de outros alunos, percebi que uma oficina é tão variada quanto o número de participantes, pois cada um vem com seu objetivo. O meu, vamos dizer, costuma ser o de desenvolver uma escrita mais trabalhada e consciente de si, além do ponto principal: me tornar um leitor melhor, seja de outros autores, seja da minha própria criação. Também encontrar novos leitores para meus textos, pois é muito comum nas oficinas haver a leitura do que se produz ao longo das aulas.
Também já tive a experiência de estar do outro lado da bancada, ministrando a Oficina de Escrita de Memórias da Editora Biografias & Profecias, uma opção alternativa às ofertas de ensino de prosa de ficção. Eu e minha sócia, Regina Rapacci, presenciamos a cada edição do curso a elaboração de vários textos potenciais para um ensaio ou livro.
Interessado em me aprofundar neste campo, entrei no mestrado em Escrita Criativa da PUC-RS, a única pós-graduação stricto sensus no Brasil que oferece essa área de concentração. Assim como o mestrado e doutorado, a universidade oferece a graduação nesta área, o que tem me proporcionado conhecer vários talentos da escrita e trocar ideias com esses colegas escritores. As atividades do curso me levaram a me arriscar em gêneros que até então pouco havia experimentado, como a escrita de contos.
Além de escrever novas histórias, retrabalhei um antigo texto a partir de orientações colhidas agora e, entusiasmado com a produção, me inscrevi no Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, realizado em parceria com a Jornada Literária de Passo Fundo, há mais de 30 anos. Qual não foi a minha surpresa quando recebi a ligação com a notícia de que eu seria um dos premiados. A conquista do 2º lugar só me fez constatar o fato de que as oficinas me trouxeram mais técnica e um olhar mais atento à escrita.
Todas essas questões em torno da possibilidade de se ensinar a arte habitam ainda uma esfera de bastidor, da escrita feita como exercício e como próprio processo de criação. A participação de concursos e tentativas de publicação são passos que também devem fazer parte das ocupações do escritor que deseja seguir adiante.
Hoje, quando alguém me pergunta se tenho uma dica para quem quer escrever, o resumo é este: leia muito e escreva sempre (e isso não é uma sugestão minha, mas a dos mais variados escritores). Além disso, se aventurem em boas oficinas de escrita, pois assim seu texto estará à prova de outros leitores. E quando me perguntam qual a sugestão para quem já escreve, agora respondo: participe de saraus e de concursos literários. Eles vão te dar um bom retorno sobre o que o mundo pensa da sua escrita. Não tema se arriscar e continue sempre escrevendo.
Fred Linardi. Jornalista e escritor. Sócio da Editora Biografias & Profecias; mestrando em Escrita Criativa pela PUCRS.