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Lançamento do livro No caminho da precisão

O caminho até a conclusão de um livro é de muito trabalho e dedicação. Quando nos deparamos com o momento da festa de lançamento de uma obra escrita (Fred Linardi) e editada (Regina Magalhães e Rodrigo Casarin) por nós, somos tomados por uma grande alegria. Presenciamos também a emoção dos clientes, assim como daqueles que fizeram parte da história ou que assistiram mais de longe à trajetória que agora poderão conhecer melhor com a leitura do livro.

Ontem foi o dia de brindar com a Mectron, uma empresa de tecnologia que mostrou para nós um mundo tão desconhecido pelo público quanto controverso. Chamou-nos para contar sobre seus primeiros 20 anos. Foi uma das histórias mais inusitadas com a qual já nos deparamos, como mostram as palavras de Regina Rapacci Magalhães proferidas no evento ocorrido em São José dos Campos:

Boa noite.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer – em meu nome e em nome do meu sócio Fred Linardi, autor da obra – o convite por estar aqui.

Esta fala tem a ver com descobertas.

Quando o Salvador me chamou para uma conversa, a Mectron já estava noiva da Odebrecht e às vésperas dos seus primeiros 20 anos.

Vim curiosa e, por mais que negasse, trazia alguns preconceitos na bagagem. O que é que uma empresa que faz míssil queria falar com uma editora que eterniza memórias que inspiram histórias? O que de inspirador havia de existir no tema mísseis? Para minha surpresa, no hall de entrada estava a imagem do Cristo na Cruz e, nas paredes, ao lado da mesa, desenhos de crianças na sala.

Naquele dia, tive uma aula de cidadania com o Salvador. Como é que eu, uma mulher mais que formada, ainda não tinha parado para pensar na segurança nacional? Como até ali eu era tão alheia a essas questões?

Saí orgulhosa por entender que, apesar do nosso imenso território e apesar de nossa tendência a receber com pouco senso crítico o que vem de fora, eu poderia dormir sossegada porque, graças ao trabalho em harmonia, de militares e civis, governo e indústria, ninguém iria invadir o meu país. Ainda assim o tema se ligava à guerra. E guerra não é um assunto inspirador.

Muito bem. Viemos para uma segunda reunião. Explicamos o quanto seria importante para nós poder fazer ao longo do projeto, além das perguntas esperadas, também aquelas que pulsavam internamente. Por exemplo, tocar no assunto exportação. Toparam. E que o tema guerra também não fosse um tabu. Toparam. E então, mergulhamos de cabeça.

O mundo militar também foi uma novidade. Até então, nunca havíamos chegado tão perto. Mais do que patentes, encontramos homens brilhantes, comprometidos com um propósito, transbordando paixão e respeito com seus papéis, mesmo os que já estão na reserva. Assim igualmente sentimos com cada colaborador que encontramos ou entrevistamos.

Tamanha é a gentileza que pairava no ar, que uma vez o Fred, tentando definir a leveza e carisma das pessoas, resumiu suas impressões: “A Mectron tem uma atmosfera que poderia ser uma fábrica de chocolate!”.

Com todo seu potencial, importância e talento, como aquela empresa tinha tamanha simplicidade em seu DNA? Simplicidade de nobres. Mas, ainda estávamos em conflito.

Então, eu e o Fred, chamamos um filósofo para um papo. Por que ainda nos sentíamos assim? E foi aí que tudo ficou mais do que claro. Na condução da conversa, percebemos que o tema é sim polêmico. Mas a forma como estes fundadores o trataram, desde o início da empresa, sempre foi pelo amor à pesquisa, à Pátria, ao conhecimento, à tecnologia que dê sustentação para um desenvolvimento que não abrace apenas o que é mecânico. A Mectron também se preocupa com o desenvolvimento humano e que ele seja agraciado com tudo que derive desta tecnologia de precisão, produzida em solo nacional. Foram estes os sentimentos que levaram estes homens de alma empreendedora, superar as condições espartanas que muitas vezes tiveram de enfrentar, tendo sempre ao seu lado uma brava gente, um time de colaboradores fiéis, comungando forças a cada obstáculo, ainda que representassem significativos sacrifícios. Pois bem, o segredo de tudo isso estava na intenção destes cinco sócios, que não passava pelo simples desejo de poder.

E aí, olhando a complexidade do mundo, fomos preenchidos pela gratidão e orgulho do nosso país, da nossa inteligência, da nossa riqueza e de tudo que ainda vamos conquistar.

Então, alguém precisa sim pensar na segurança da nossa Nação, do nosso povo, na defesa de nossos interesses, na garantia de proteção.

Deste projeto, saímos mais brasileiros e mais responsáveis. Nisso tudo, qual o nosso papel como cidadãos? Essa é a pergunta que deixamos aberta aos leitores. Não devemos abrir mão de refletir, de participar e acompanhar decisões que, apesar de fugirem ao nosso cotidiano, são tão importantes quanto o mundo material e espiritual. Afinal, com este livro descobrimos que, entre esses dois mundos, o céu e a terra, existe a Soberania Nacional!

Ao nosso Brasil e à Mectron, agora com o sobrenome Odebrecht, um futuro de paz e prosperidade.

Obrigada.

Lançamento_Mectron_cortada

Início do primeiro capítulo:

Se alguém acreditava que as previsões de conflitos não seguiriam adiante, a realidade se impôs ao próprio cotidiano. A verdade estava diante do olhar de todos que observavam um movimento diferente nas ruas de Bagdá. Moradores da cidade saíram para fazer compras esvaziando as prateleiras do supermercado. O Edifício 9 do Conjunto al Salhia, assim como outros prédios da capital iraquiana, recebeu militares que instalaram baterias antiaéreas em seu telhado. Apesar das notícias, dos possíveis riscos de ataque, tudo indicava que a situação não era para pânico. A única certeza que tinham os brasileiros, russos, americanos, tailandeses, egípcios e outros estrangeiros que viviam no Iraque era de que o presidente Saddam Hussein havia decretado uma invasão ao pequeno Kuwait na madrugada do dia 2 de agosto. As primeiras consequências foram o embargo econômico internacional e o decreto da ONU para que estrangeiros deixassem o país assim que possível.

Mas o possível dependia das regras do governo socialista do ditador árabe. Como de praxe em vários países, todos os estrangeiros que permanecessem por mais de 30 dias no Iraque precisariam de um visto para deixar o território. Em possível zona de guerra, as regras não mudaram. Naquele segundo semestre de 1990, quando os jornais noticiavam para o mundo as possibilidades da Guerra do Golfo, jornalistas internacionais ficaram loucos para entrar em solo iraquiano e desempenhar seus trabalhos. Enquanto isso, milhares de estrangeiros que trabalhavam no país passaram a rezar, cada qual na sua fé, para conseguirem seus vistos de saída, o mais rápido possível, antes que a provável guerra se deflagrasse.

(…)

Como sempre, primamos tanto pelo conteúdo quanto pela “embalagem”. O projeto gráfico foi realizado em parceria com Marcelo Casalecchi e ilustrações de Nicolas Cares, integrantes da equipe da ArteMidia.

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Na lona

Por Rodrigo Casarin

Direto, cruzado, cruzado. Boa! De novo. Mais uma. Ótimo. Chuta embaixo. Mais força. Com a esquerda. Isso! Muito bom, guerreiro. Senta lá e relaxa, tá chegando sua hora.

Joel termina o aquecimento e senta em um banco. Enfim, o momento se aproxima. Ignora praticamente todos os companheiros que estão no vestiário, só não consegue esquecer da existência de um, que agora lhe passa uma pomada que aquece ainda mais o seu corpo, desperta seus músculos, incandesce sua vontade de voltar a vencer.

Está ali depois de cinco anos. De volta aos ringues, de onde nunca deveria ter saído. Lembra de como foi duro ter que deixar o muay thai para trás e ter que trabalhar para ajudar sua mãe a comprar os remédios. Deixou a pizzaria, onde entregando as redondas de moto ganhava 400 reais por mês para arrumar um trabalho de verdade.

Entrou em uma empresa de cobrança por telefone. Trabalhava na administração. Passava o dia inteiro em frente ao computador. As horas extras não remuneradas faziam parte de sua rotina e devoravam o tempo que seria dos treinos e da academia. Começou recebendo 800 reais, mas, com uma dedicação militar, não demorou para que esse valor  aumentasse. Passou a ganhar bem. 1500 reais todo mês na sua conta. Além disso, carteira assinada, vale-transporte, vale-refeição e metade do plano de saúde bancado pelo empregador. No bairro pobre onde morava havia quem o chamasse de playboy, ainda que a grana mal desse para os remédios.

Agora que sua velha morreu, não precisa mais se preocupar com essas coisas. Deixara de fazer as horas extras não remuneradas e voltou para os treinos. Não demorou para que retornasse ao peso antigo – havia engordado apenas alguns poucos quilos nesses anos. Não demorou também para que fosse demitido. O gerente alegara que Joel estava desfocado e não se aplicava mais aos afazeres como antes, o que ia contra a filosofia da empresa, que queria que seus colaboradores se empenhassem ao máximo, para que pudessem crescer a cada dia como pessoa.

Conseguiu voltar para a pizzaria, para o mesmo cargo de antes. Tinha o dia inteiro para treinar, e como gostava de fazer aquilo. Como bater em um saco de pancadas lhe fazia falta, como era bom tomar um soco bem dado e continuar inteiro.

Depois de dois meses de treinos intensos, teve a certeza de que era o momento de voltar aos ringues, seu eterno escritório. O treinador ficou com dúvidas, mas não conseguiu fazer com que Joel adiasse o retorno. A vontade era maior do que tudo, e a superioridade em relação aos outros lutadores da academia o enchia de esperanças.

De cabeça baixa sob uma toalha, concentra-se no vestiário. Seu parceiro já terminara de lhe passar a pomada. O forte cheiro de cânfora se mistura com o suor dos outros lutadores e o fedor das luvas e ataduras. Vai até o espelho e confere seu cavanhaque loiro, que esconde uma cicatriz que ganhou ainda na escola, em uma briga por causa de um jogo de futebol. O cabelo raspado e os olhos castanhos profundos o deixam com uma aparência que impõe respeito e causa repugnância a alguns.

Seu treinador o chama. Havia dado pouca atenção ao já experiente Joel. Gastava mais tempo consolando os outros pupilos que saíam quase todos derrotados do ringue. É a hora.

Joel se sente pronto. Veste as luvas nas mãos já firmemente envolvidas com ataduras brancas. Um outro colega passa vaselina no seu rosto. As cordas brancas encardidas e pretas desbotadas que delimitam a área de combate o esperam.

Ao sair do vestiário, percebe que o ginásio está quase vazio. Não mais do que 50 pessoas. O sol forte sobre o telhado metálico transforma o lugar em uma estufa. Olha para o seu adversário já no ringue. Joel sabe pouco sobre ele, apenas que é um cubano de nome complicado que luta por dinheiro. Qualquer dinheiro. Serve até os 30 reais que um fabricante de luvas que patrocina o evento dará para o vencedor de cada duelo. Esses lutadores são os mais perigosos, animais famintos em busca da sobrevivência. Também sabe que ele é um tanto menor e está no limite inferior do peso para a categoria.

Olhos nos olhos, não trocam uma palavra. O juiz anuncia cada um dos combatentes. De bermuda vermelha, com 30 vitórias em 30 lutas, sendo 17 delas por nocaute, Joel. De bermuda azul, com 42 vitórias em 68 lutas, sendo 13 delas por nocaute, o negro de nome complicado. Joel respira confiança e inspira força. O cubano dá as costas e vai até seu canto.

Joel também vai para o seu lugar. Lembra mais uma vez da importância do momento. Queria que toda a sua vida tivesse sido assim. Que não tivesse perdido todos aqueles anos. Que o grande campeão que é não estivesse apenas nos antigos números, mas nas constantes façanhas. Não ouve uma palavra sequer do que o seu técnico diz. Ninguém precisa lhe dizer mais nada, ele sabe como fazer.

Os dois tomam os últimos goles d’água, colocam o protetor, recebem um tapa nas costas de seus treinadores e voltam para o centro do ringue. Conselhos de praxe do juiz. Soa o gongo. A contagem regressiva de três minutos dispara. As luvas mal se tocam num comprimento que se pretendia amistoso. O embate começa.

Pouco rodam e Joel toma a iniciativa. Aproveita o seu tamanho e tenta acertar com a perna o cubano, que esquiva bem do golpe. Reduz a distância e é atacado por uma rápida sequência de mão, mas também consegue escapar. Ambos se estudam, trocam olhares que almejam ser intimidatórios. O cubano tenta tomar a iniciativa, mas sem uma total confiança acaba recuando após acertar um cruzado na luva de Joel e tomar de volta um chute na coxa esquerda. Dançam mais um pouco, quase bailam. Atraem-se, repelem-se. Estão sempre na mesma direção, mas sempre a uma boa distância. Tentam mais algumas investidas de nenhum sucesso.

Joel percebe que o cubano utiliza pouco as pernas, apenas o suficiente para que o mantenha afastado, nunca para efetivamente atacá-lo. Em contrapartida, o estrangeiro tem um excelente jogo de cintura e uma combinação de golpes com as mãos raramente vista em lutadores que também utilizam os membros inferiores como armas. Boxeador que fugiu de Cuba, pensa Joel assim que consegue se esquivar de uma sequencia de golpes.

Sentido-se provocado pela audácia do adversário em atacá-lo com tanto ímpeto, Joel parte para cima do cubano feito um bárbaro. Sequer ouve o seu treinador gritando para tomar cuidado com a guarda. Acerta um chute com a direita na coxa do adversário, que acusa o golpe. Solta um cruzado com a esquerda que é defendido pelo oponente, que também se esquiva de um direto. Quando Joel encurta a distância para tentar usar seus joelhos ossudos, o negro se afasta e roda pelo ringue. Falta um minuto para o final do primeiro assalto. Joel o persegue. Tenta uma abordagem clássica com jab e direto, facilmente defendidos. No que o adversário dá um passo para a direita, solta um cruzado com a esquerda que vai de encontro ao maxilar do inimigo. O cubano se esquiva com um pêndulo rápido e solta o braço direito. Acerta a orelha de Joel que mal tem tempo de perceber o cruzado de esquerda que entra em seu baço seguido de um potente gancho que acerta em cheio o seu queixo e faz seu cérebro tremer como uma britadeira. O baque seco na lona arranca urros primitivos dos presentes. Joel nada escuta.

Quando começa a voltar a si ouve o juiz já no final da contagem. Vem à sua cabeça a imagem de sua mãe morta, no caixão. Fecha novamente os olhos e sente o cheiro forte do piso misturado com o fedor repugnante da derrota. Faltavam 15 segundos para o final do primeiro assalto quando Joel se tornou um derrotado nos ringues. Teria pizzas para entregar na mesma noite.

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O texto acima é uma peça de ficção

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Caçula

Por Regina Magalhães
É seu filho?

Ainda estranho a pergunta já feita mais de uma vez, mas devo reconhecer que ela não é de todo improcedente. Sorrio amarelo e respondo.
Quem vê o jovem alto e grande (leia-se um mix de forte e farto) com a barba cerrada e o franzir de sobrancelhas, o julga mais velho. Quando está sério, tem quase cara de mau. De gorro tricolor, então, que medo. E quando o celular toca evocando Don Corleone? E a luta marcial? Bobagem!  Não se iluda. No fundo, Rodrigo Casarin é um cara sensível, de coração maior que seu tamanho.
Aos 24 anos, reconhece na literatura um caminho para a  evolução humana por ser uma forma de conhecer as diversidades do mundo. Ao falar de Drummond, Dostoievski, Gay Talese, Jorge Amado,  ou qualquer talentoso escritor, ele o faz com intimidade e escreve em seu blog sobre tudo o que lê.
Outros quatro amores fazem parte da sua própria evolução: o time do São Paulo,  a arte de fazer cerveja, desbravar novos lugares e namorar a Bel. Então, é assim, ele rima letras e dribles; malte e gols, lúpulo e livros; Bel e destinos.
Na minha imaginação, quando ele “crescer” vai morar numa espaçosa biblioteca, com os mais variados e nobres títulos em diferentes línguas. Na cozinha, o espaço será dividido com fogareiros e panelas cervejeiras e por todas as paredes, imagens e símbolos das culturas e pessoas que conheceu ao redor do mundo, entre flâmulas do time…
Na multiplicidade humana, o singular carnívoro são paulino convive bem e harmoniosamente com vegetarianos e corintianos.  Para ele, diferenças são bem-vindas.
De raciocínio lógico e fala reta, vai direto ao ponto. Eu não. Eu olho, penso, sinto, sinto, penso e sinto mais um pouco e ele, se deixar, já foi e já voltou. Então, entre pulsos e impulsos, entre sua juventude bruta e o frescor da minha maturidade, formamos na escrita uma promissora dupla – tanto na autoria, quanto na edição. O desejo de contar histórias e contribuir com um legado na área literária da não-ficção nos une profundamente, é onde nossa essência se encontra. E ela se fortalecerá a cada história que ainda vamos contar.
Afinal, é seu filho?
Não, não é. Nós só nos conhecemos na Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL), em 2009.  Ele não meu filho, é o caçula da dona Leonor e do seu Edwaldo.
Meu, ele é sócio!
Sorrio orgulhosa.

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O passado é vizinho do Brasil

Por Rodrigo Casarin

Chegamos ao Uruguai com o Sol brilhando em um belo céu azul, que apenas disfarçava a temperatura de 10º que esperava pela Bel, minha namorada, e por mim, . Depois de largarmos as coisas no hotel mais barato que encontrei pelo centro da cidade, fomos dar uma volta. Caminhamos até a bela Praça da Independência, a mais famosa da capital uruguaia.

As ruas de Montevidéu são repletas de prédio antigos, nem sempre conservados, cheias de praças bem cuidadas e permeadas por árvores, que, no inverno, despem-se completamente de suas folhas – devem proporcionar um maravilhoso espetáculo de cores durante a primavera. O pacato e atencioso povo uruguaio usa a cidade como uma extensão de suas casas, tomando seus mates, conversando e curtindo as vias públicas, não apenas como um espaço para se deslocar de um lugar a outro.

Na nossa primeira noite na cidade jantamos em um restaurante que poderia muito bem ter servido como um dos cenários de O Poderoso Chefão. Um lugar pequeno, apertado, de luz tênue e móveis de madeira. Ali, dois grandes bifes de uma ótima picanha, uma generosa porção de fritas, uma cerveja e um suco nos custaram menos do que duas promoções de lanches vagabundos em São Paulo. Uma pechincha para os mãos de vaca, um deslumbre para os carnívoros, quase que um paraíso para mim.

No dia seguinte, estádio Centenário, palco da final da primeira edição da Copa do Mundo, em 1930. Apesar de bastante deteriorado, o lugar é um destino sagrado para os amantes do futebol, que nele experimentam a sensação de reviver a história do jogo. Não há como passar por lá e não pensar em como o esporte mudou ao longo dos anos. O quanto se tornou mais atraente para os que pensam em cifras; o quanto perdeu sua essência para os mais românticos.

Saímos do estádio, almoçamos e pegamos um ônibus até o Mercado do Porto. Bastou entrarmos no prédio para que o arrependimento de já termos comido batesse. Pelas estreitas ruas do mercado estão distribuídas dezenas de restaurantes que, em sua maioria, servem parrillada, um prato com diversos cortes de carnes assadas. A tentação não se dá pelos cardápios, mas pela forma com que os uruguaios fazem o seu churrasco: em grandes grelhas que ficam inclinadas para que a gordura escorra por canaletas e não transforme a brasa em fogo, expondo os diversos tipos de carnes a todos os que por ali passam. Impossível não ir embora com o agradável defumado de quem pilota a churrasqueira.

Para fechar o dia, um passeio pela Rambla, avenida com mais de 20km de extensão que beira o Rio da Prata. É em sua margem que muitos uruguaios aproveitam a praia, andam pelo calçadão, pescam ou simplesmente se acomodam em um banco para admirar tranquilamente a paisagem enquanto o dia chega ao seu fim. Foi exatamente o que fizemos.

À noite, fomos a um cassino (há vários na cidade), uma experiência inédita para ambos. Esperava encontrar um ambiente parecido com os dos filmes, contudo, nele havia apenas máquinas e mais máquinas de caça-níqueis. Nada de grandes mesas lotadas de pessoas apostando até a mãe em jogos de cartas distribuídas por um crupiê de roupa impecável, bigode fino e cartola. Uma decepção com trilha sonora de uruguaios tocando músicas brasileiras, de “Morango do Nordeste” a “Não deixe o samba morrer”.      No dia seguinte, pegamos um ônibus para Colônia do Sacramento, cidade fundada por portugueses, considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. A primeira vista que temos do espaço histórico é um pedaço de uma antiga muralha de pedra. Ao passarmos pelo portal da construção, a sensação é que voltamos alguns séculos na história. Ruas e casas também feitas de pedras aparecem aos montes, convidando os turistas a caminharem pelas estreitas vielas e descansarem em bancos e muretas à beira do Rio da Prata. De cima de um farol, é possível ter uma vista panorâmica de boa parte da cidade. Em cada esquina, um novo ângulo para uma bela foto se revela.

Pouco mais de quatro horas são suficientes para conhecer e aproveitar todo o centro histórico de Colônia, mas vale esperar o resto do dia passar em algum banco à beira do Rio da Prata para ver a cidade à noite. Ao cair do Sol, a escuridão é quebrada por luzes amarelas vindas de antigas lanternas. Esse efeito deixa as ruas com uma beleza sombria – e gelada no inverno.

Voltamos para Montevidéu. Nosso avião partiria no dia seguinte.

Antes de irmos embora, demos uma última volta pelas ruas da capital uruguaia. Já havia lido que aos domingos a cidade fica vazia, mas não esperava encontrá-la semideserta. Às dez da manhã nem o Sol havia acordado ainda. Tomadas por uma densa névoa, nas ruas estavam apenas alguns turistas e poucos pedintes.

O avião decolou às 14 horas, com a névoa ainda tomando conta de todo o lugar. Definitivamente, a cidade havia tirado o dia para dormir.

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O palhaço humaninho

Por Rodrigo Casarin

O ano é 2009 e Frederico Linardi trabalha incessantemente. Escreve todo mês para até cinco revistas, duas vezes por semana transforma-se em assessor de imprensa,  em outro dia, auxilia em toda a comunicação de uma clínica médica. Aproveita cada brecha no relógio para resolver algo. É um homem sério e super atarefado, como manda a cartilha. Trabalha, trabalha, trabalha. O semblante de tragédia que possui quando chega em casa até desanima a bailarina Renata, sua esposa, mas não há tempo para se recompor. Precisa trabalhar mais, trabalhar, trabalhar. Ainda faz cursa francês, isso quando não falta à aula para trabalhar um pouco mais. Passa meses sem conseguir terminar de ler sequer um livro, não tem tempo para tal luxo. Contudo, ao olhar a conta bancária, a recompensa. Nunca ganhara tanto dinheiro na vida. E o melhor, pouco gasta. Não tem tempo para isso também. Enquanto Frederico acumula números no banco, distancia-se de tudo o que mais gosta, afasta-se de si mesmo.

Fred mudara-se de Americana para São Paulo para cursar Jornalismo em 2001 e, depois do choque inicial, habituou-se à cidade. Anos depois, da janela de seu apartamento conheceu a bailarina Renata. Ambos trocavam olhares, até que um dia o garoto resolveu interfonar para a menina que admirava do outro bloco. Combinaram um cinema. Combinaram de namorar. Combinaram de morar junto. E hoje combinam de casar em junho.

As obrigações com a casa, com a vida e a pressão por não desperdiçar oportunidades fizeram com que Fred acabasse virando um refém do trabalho. Não queria isso e decidira que o ano de 2010 seria diferente. Trabalharia menos e faria mais coisas que lhe dessem prazer. Levou o francês mais a sério e resolveu fazer um workshop de palhaços com o grupo Jogando no Quintal.

Desde a infância, o rapaz já admirava os artistas pintados que arrancavam gargalhadas de toda a plateia presente no circo – uma das raras e efêmeras opções de lazer em uma cidade de interior. Também gostava de assistir a peças de teatro e filmes com palhaços, mesmo os que não se vestiam como tal, mas tinham a essência desta figura. Afinal, como não considerar Charles Chaplin um grande palhaço?

A realização do workshop fez com que Fred percebesse que poderia vencer a sua timidez, marca que só não lhe é latente porque é tímido demais para transparecê-la, e levar a palhaçada a sério. Agradava-lhe a maneira que o grupo realizava as brincadeiras. Nada de clássicos como torta na cara ou escorregões em cascas de banana, tudo acontecia – e ainda acontece – na base do improviso, criando piadas em cima de temas sugeridos por alguma pessoa, normalmente da plateia. Gostou da experiência e resolveu fazer um outro workshop que e mesma companhia ofereceu no mês seguinte, com a palhaça Gabriella Argento. Um novo curso se formou e seguiu ao longo de dois anos. Agora, em 2012, essa turma que se manteve unida desde então resolveu se tornar um grupo. O nome? Humaninhos.

Quando está em cena com os Humaninhos, Fred incorpora Pacífico, um palhaço que parece deslocado entre seus pares, não é muito de rir, é crítico, gosta de algumas travessuras nojentas, adora cantar e brinca até com o nascimento de Jesus Cristo. Fred encontra na prosa do escritor uruguaio Eduardo Galeano, no texto Humaninhos*, uma das melhores maneiras de descrever Pacífico, que, mais do que personagem, é uma parte do seu próprio criador.

“Um palhaço se cria com aquilo que está dentro de você, expondo as suas sombras, enxergando os seus problemas e brincando com eles, chegando na essência dos dramas, transformando as tragédias em festas. Ele é  tudo aquilo que os pais ensinam os filhos a esconder. O palhaço é um ser totalmente autobiográfico, pois é feito em cima da história de vida do seu criador. Vestimos a menor máscara – o nariz – para tirarmos todas as outras”, explica Fred. Essa exposição do eu de quem interpreta o palhaço faz com que o próprio ator tenha que criar uma casca para não se machucar. Se Pacífico fizer alguma graça sem graça em cima dos palcos, é de Fred que as pessoas vão rir e debochar pela incompetência em se construir a piada. O palhaço é um ser sem orgulho ou preocupação, sem passado ou futuro. Vive apenas o momento. Pode sair da tristeza de um funeral para a alegria de um carnaval em questão de segundos. Uma ação leva a outra, sem qualquer tipo de julgamento. Um palhaço apenas não vive sem a plateia e seus parceiros, elementos essenciais para que a encenação se sustente.

Trabalhando menos e tendo mais tempo para se dedicar a tudo o que gosta de fazer, no final de 2011 chegou o momento de Fred e Pacífico estrearem nos palcos de um teatro. Para quem odiava se apresentar até para os parceiros de grupo, aquele era um grande desafio. No dia da apresentação, a clássica vontade de ir ao banheiro apareceu também para Fred, que viu a sua garganta secar e pensou diversas vezes em que grande burrada havia feito ao aceitar o convite para tamanha exposição. “Ali não é o seu lugar, não devia ter chamado meus pais, porque fiz isso…”, pensava. Contudo, mesmo assim foi em frente e, ao sair aplaudido do palco, experimentou uma das melhores sensações de sua vida.

Atualmente, Fred toca a vida em um ritmo que lhe possibilita ter os seus prazeres, mas ainda não está plenamente satisfeito. Sonha um dia em sair com um circo pela estrada, rodando cidades e mais cidades do interior do Brasil e contar essa história. Quem sabe até levar Pacífico para conhecer os confins do país e ser conhecido por crianças e adultos dos mais diferentes lugares. Sonha em ir, mas também sonha em voltar. E, quando voltar, estará a bailarina à janela esperando pelo palhaço.

*Humaninhos (Eduardo Galeano)

Darwin nos informou que somos primos dos macacos, e não dos anjos. Depois, ficamos sabendo que vínhamos da selva africana e que nenhuma cegonha nos tinha trazido de Paris. E não faz muito tempo ficamos sabendo que nossos genes são quase iguaizinhos aos genes dos ratos.

Já não sabemos se somos obras-primas de Deus ou piadas do Diabo. Nós, os humaninhos:

os exterminadores de tudo,

os caçadores do próximo,

os criadores da bomba atômica, da bomba de hidrogênio e da bomba de nêutrons, que é a mais saudável de todas porque liquida as pessoas, mas deixa as coisas intactas.

os únicos animais que inventam máquinas,

os únicos que vivem ao serviço das máquinas que inventam,

os únicos que devoram sua casa,

os únicos que envenenam a água que lhes dá de beber e a terra que lhes dá de comer,

os únicos capazes de alugar-se ou se vender ou de alugar ou vender os seus semelhantes,

os únicos que matam por prazer,

os únicos que torturam,

os únicos que violam.

E também
os únicos que riem,

os únicos que sonham acordados,

os únicos que fazem seda da baba dos vermes,

os que convertem lixo em beleza,

os que descobrem cores que o arco-íris desconhece,

os que dão novas músicas às vozes do mundo

e criam palavras, para que não sejam mudas

nem a realidade nem sua memória.

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As obras

Na semana passada vimos aqui no blog como a Biografias e Profecias nasceu. De lá para cá, muito fizemos para que nossa obra fosse sendo construída (uma tarefa impossível de enxergar o fim, tamanha a quantidade de boas histórias que precisam ser contadas).

Entre 2007 e 2008, os nomes de Regina Magalhães e Biografias e Profecias praticamente se confundiam. A idealizadora que tocou a empresa nos primeiros anos, escrevendo quatro Jóias de Papel. Em 2009, para o livro 10 anos da APFCC – O Preto no Branco e o Rosa no Branco, Regina, pela primeira vez, dividiu a autoria de uma obra. A co-autora foi Lilian Rochael, com quem também escreveu o livro Futura, publicado em 2010, primeira incursão da editora no ambiente corporativo.

Outras Jóias de Papel vieram, mas, além de obras pessoas, o foco da Biografias e Profecias passou a mirar também feitos institucionais. Por esse caminho, Regina Magalhães, dessa vez junto com Rodrigo Casarin, escreveu Plenamente – O bom em busca do belo – 7 anos, obra que retrata o primeiro setênio de uma empresa de desenvolvimento humano de São José dos Campos, e Luzir – Incandescendo o Vale do Paraíba, que conta a história de 14 empresas metanoicas do Vale do Paraíba.

O Luzir foi o último lançamento da editora, mas diversos livros estão no forno, alguns escritos por autores ainda inéditos, quase no ponto para serem lançados ainda em 2012.

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